quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Democratizar o Brasil: projeto da jovem geração[i]


No próximo dia 12 de agosto, será comemorado o Dia Nacional e Internacional da Juventude. Para além de uma formalidade estabelecida pela Assembléia-Geral das Nações Unidas e pela Constituição Federal (Lei 10.515/02), esta é uma oportunidade de reflexão sobre o Brasil e, mais especificamente, sobre o processo de democratização do país.

Do alto dos meus 27 anos, já me acostumei às análises que tomam a minha geração como ponto de partida para projeções, em sua maioria sombrias e céticas, sobre o futuro da nação. Pesquisadores, analistas, acadêmicos dos mais variados calibres e origens refletem sobre o destino do Brasil a partir do estudo sobre o comportamento, a cultura, as manifestações e manias daqueles que, como eu, se veem enquanto “juventude”.

Se me disse acostumado, peço perdão aos companheiros. Mal acostumado seria a expressão verdadeira. Ora, quase sempre os tais pesquisadores, por despeito, ceticismo, arrogância, saudosismo ou sabe-se lá o quê, chegam à conclusão de que “não tem jeito!”. Essa é uma geração perdida. Desmobilizada, desinteressada, alheia às grandes questões, incapaz de transformar a realidade que a cerca, quiçá, conduzir os rumos do Brasil. O veredicto é sempre esse: no que depender dos jovens de hoje, nosso país aprofundará suas mazelas e perpetuará aquilo que tem de pior. Suas principais características, as más, é claro, serão elevadas à décima potência tamanha a desorganização desta jovem geração.

Bom, em meio a este lamento, quase desabafo, gostaria de dizer que nem tudo são lágrimas.

Há quase dez anos, tenho me dedicado a ser uma exceção àquela suposta regra, junto com milhares de companheiros(as). Militei no movimento estudantil, construí movimento social, integrei e dirigi juventude partidária, participei de gestões públicas e, nestes descaminhos, pude testemunhar um sem número de atividades, mobilizações e manifestações que contradizem, contundentemente, a Tese do Fracasso.

Ao revés. O que pude enxergar é que nosso país não aproveita, não reconhece e não dá oportunidade a uma legião de jovens atores e atrizes que poderiam facilmente, seja pelo seu tamanho populacional, seja pelo seu potencial transformador, protagonizar o processo de mudanças pelo qual o Brasil necessita passar. São jovens negros e negras, indígenas, mulheres, gays, lésbicas, travestis, transexuais, rurais, trabalhadores. É tanta energia, é tanta criatividade, é tanto axé, que fica difícil acreditar naqueles que de nós duvidam. E olha que hoje, ao contrário dos tempos de outrora, as possibilidades de organização e militância se expandiram. Temos jovens no movimento social, estudantil, comunitário, ambiental, nas ONGs, nas associações, na luta pela reforma agrária, na luta sindical, nas redes, nos fóruns, nos blogs e comunidades da internet, no YouTube... Não é possível que não vejam!

Mas, moçada, nesta trajetória também percebi que o enfrentamento com os “adultos”, o embate com os “coroas”, a disputa entre gerações não é única saída possível. Há alternativa e essa alternativa significa diálogo.

É preciso combinar procedimentos, adaptar linguagens e buscar consensos. Precisamos herdar o que da lembrança ainda existe de válido e verdadeiro, e, ao mesmo tempo, atualizar novas estratégias, novas fórmulas. Precisamos ajustar os melhores valores acumulados com as novas esperanças e perspectivas. É preciso combinar tradição e inovação.No lugar da disputa entre gerações, devemos propor o diálogo geracional. E na política isso é fácil, pois a atualização da luta é tão somente terminar um serviço que eles começaram: a democratização do Brasil.

Vejam só. No lugar de apontar, de denunciar as limitações da geração de 68, devemos propor um pacto. A proposta começa necessariamente pelo reconhecimento do papel histórico cumprido pela geração do Lula, do Zé Dirceu e companhia. Precisamos bater palmas para a luta contra a ditadura, o combate ao autoritarismo, a resistência ao estado de exceção e a vitória na redemocratização do Brasil. Precisamos reconhecer que foi essa geração que protagonizou a resistência à ditadura militar, a abertura democrática e a construção de uma alternativa viável de esquerda em um país amplamente marcado pelo elitismo, patrimonialismo, clientelismo e pela subserviência ao império de plantão. Precisamos reconhecer que foram eles, e elas, que elegeram um torneiro mecânico Presidente do Brasil!

O próximo passo, após o reconhecimento, é reivindicar este legado. Ora, precisamos dizer, gritar se necessário, que somos nós os herdeiros desta luta. Somos nós a possibilidade (real) de perpetuação da luta da esquerda, da luta democrática, somos nós os herdeiros legítimos da luta socialista brasileira.

E aí vem o pacto, ou a proposta de pactuação: ao tempo que reconhecemos as históricas vitórias da geração de 68, também reconhecemos que ainda há muito a fazer. E admitimos o bônus e o ônus deste legado. Se o bônus é a reivindicação do legado da esquerda e seu acúmulo histórico, o ônus é a não finalização do processo de democratização do Brasil. A tal redemocratização dos anos 80, por exemplo, restituiu o sufrágio, as eleições diretas, o direito de ir e vir, a liberdade de imprensa, de reunião, de livre associação política, mas não foi capaz de levar a democracia – ou os valores e/ou práticas democráticas – aos grotões de pobreza do país, às periferias urbanas e rurais, às minorias étnicas e raciais, às mulheres, aos jovens. De modo geral, a tal redemocratização serviu a setores da classe média, que inclusive tem vínculos históricos com a esquerda, e à parte minoritária da classe trabalhadora, que puderam voltar a gozar de direitos fundamentais negados pela ditadura. Contudo, em qualquer periferia brasileira é possível notar que o sonho da democracia ainda é algo vago, inatingível. Pois lá, o Estado não chegou. Não chegou saúde, educação, moradia, habitação. Lá a polícia continua em ritmo de ditadura, pois atira sem perguntar, mata em rito sumário, esconde corpos, fuzila, tortura, persegue.

Precisamos, então, atualizar nossa luta. Uma luta que também é deles, mas é muito mais nossa. Até porque, a perspectiva deles hoje é bem curta, e a nossa perspectiva é de cinqüenta, sessenta anos de luta. Acredito que este argumento, de diálogo, de entendimento, de valorização do que foi historicamente construído e de necessidade de atualização e renovação das estratégias é o nosso caminho. O argumento traz consigo uma noção de continuação, de perpetuação da batalha, de herança dos valores tradicionais combinada à atualização dos novos fronts. Tradição e inovação.

No mais, estou muito convencido de que essa é a nossa missão. A construção do outro mundo possível, a disputa pela hegemonia contemporânea, passa necessariamente pela percepção de novos atores sociais, novas expressões da exploração, da exclusão, da opressão e da repressão. A construção do socialismo passa inteiramente pelo aprofundamento da democracia no Brasil. Democracia aqui entendida como algo mais amplo, mais plural do que esta que aí está.

Acredito que esta é a nossa luta. Concluir o que estes caras não conseguiram terminar.


[i] Éden Valadares, 27, foi diretor de Escolas Pagas da UNE (2002), assessor da Frente Parlamentar de Juventude da Câmara Federal (2003-06), secretário estadual de juventude do PT Bahia (2005-07), coordenador do programa de governo Wagner Governador (2006), coordenador da Conferência de Juventude da Bahia (2007), secretário-executivo do Conselho (2009) e atualmente é coordenador de Políticas de Juventude do Governo da Bahia (SERIN).

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