quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Com Lula, tudo bem. Com o PT, também. Não é hora de aventuras.*


A nova frase da campanha de Alckmin, em São Paulo, afirmando que' com Lula tudo bem, o problema é o PT', guarda inequívoca similitude com alguns intelectuais que asseguram que há necessidade de se reconstruir a esquerda, por conta de uma suposta cooptação de movimentos sociais e da militância por parte do governo petista. Há um tipo de análise da consolidação do sistema político-partidário brasileiro que, por operar no campo estéril da lógica binária, impossibilita a compreensão da dinâmica dos partidos, seus movimentos contraditórios, suas crises e recuperações. É um tipo de raciocínio que, esbarrando em oposições excludentes, não consegue avançar para além dos sofismas, tanto à direita quanto á esquerda.

O protagonismo do Partido dos Trabalhadores incomoda tanto o campo conservador que, há anos, sentencia o fim do seu capital político, quanto certos setores de uma esquerda que mescla, em doses desiguais, oportunismo e ingenuidade.

A nova frase da campanha de Alckmin, em São Paulo, afirmando que' com Lula tudo bem, o problema é o PT', guarda inequívoca similitude com alguns intelectuais que asseguram que há necessidade de se reconstruir a esquerda, por conta de uma suposta cooptação de movimentos sociais e da militância por parte do governo petista. Judicativos, asseveram que é necessário que alguém precise continuar dizendo que a combinação de um modelo excludente com políticas compensatórias não pode ser o projeto de uma esquerda séria. O problema aqui não padece apenas de incapacidade de análise de conjuntura, mas de uma inacreditável perda de memória do passado recente.

É bom recordar que o Partido dos Trabalhadores surgiu rompendo duas tradições: não nasceu dentro do Estado ou por iniciativa dele. Pelo contrário, sua criação se dá contra o aparato estatal e possibilita uma inédita articulação entre a política e a questão social. Foi a primeira experiência bem-sucedida de uma organização que, ao contrário de conhecidos arranjos, não nasceu de cima para baixo, mas da auto-organização da classe trabalhadora, impulsionada pela esquerda católica e por uma parcela expressiva dos que participaram da luta armada contra a ditadura militar.

Mudanças de curso, necessárias para se adequar ao capitalismo pós-industrial, não configuram perda de identidade ou efetividade política. Quem não consegue compreender a diferença entre o atual governo e o anterior no que diz respeito às prioridades na utilização do poder político e fiscal do Estado, deve atribuir a popularidade do presidente a um fenômeno que mistura a dimensão do carisma com uma perda generalizada de consciência política. E isso nada mais é que indigência analítica movida por má-fé.

Imaginar que o PSOL, nascido de uma dissidência parlamentar, pudesse se constituir em um real espaço de construção dos muitos embates que a classe trabalhadora tem pela frente, só revela o perigo que o desejo, quando confundido com a realidade, pode trazer. É a demonstração cabal de como um sonho - de gente, diga-se, muitas vezes bem intencionada – pode se transformar no seu oposto. Em um udenismo que não ousa dizer o nome. 'Uma falsificação' que se apresenta como 'trincheira',' lugar de resistência.'

E o que dizer do tucanato? Outra dissidência parlamentar que, sem base sindical ou uma história de luta de seus quadros mais orgânicos, se apresentou nos anos 1980, como a 'social-democracia brasileira'. Chegando ao poder, sucateou o patrimônio público, apostou em um ambiente institucional em que o Estado garantiria a 'expectativa racional' dos possuidores de riqueza.

Vamos, de uma vez por todas, demarcar o que é o campo democrático-popular. Dele fazem parte o PT, o PC do B, PDT e PSB. O restante, em um sistema partidário cada vez mais estabilizado, está no pólo oposto, como linha auxiliar do neoliberalismo do PSDB. Com Lula, tudo bem. Com o PT, também. Não é hora de aventuras.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

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